A incrível jornada do jovem engenheiro que saiu de Botucatu, São Paulo, para implementar 3000 poços de água na República do Congo

 

Quando questionado sobre sua memória mais marcante, Marco Aurélio Filho nem pensa para responder: foi a viagem à República do Congo que fez anos atrás. Ele e um colega trabalhavam em um projeto de implementação de poços de água em um vilarejo assolado pela pobreza, a sete horas de distância das grandes cidades; um percurso que só podia ser feito viajando por estradas de terra. Sob o sol escaldante, Marco terminou de beber água na garrafa pet que carregava consigo, amassou-a e jogou no lixo; para só então reparar no grupo de meninos que se aproximavam pedindo pela garrafa. “Não tem água”, disse ele meio desconcertado, mas os meninos insistiram. Queriam a garrafa amassada para fazer de bola de futebol. Agarraram o objeto com o triunfo de quem ganha uma Nike novinha, e ficaram jogando ali mesmo, naquele campo improvisado de terra e fuligem.

Marco é engenheiro mecatrônico por formação, mas dedica sua vida a ações sociais que ajudem o maior número possível de pessoas. Na viagem ao Congo, tocou um projeto de tratamento de água com ozônio, que resultou na implementação de 3000 poços pelo país. Ajudou a desenvolver um software capaz de fazer todo o controle necessário para matar microorganismos na água, ele conta, como se não fosse nada demais. Fez isso enquanto estava no quarto ano de faculdade.

Na viagem ao Congo, tocou um projeto de tratamento de água com ozônio, que resultou na implementação de 3000 poços pelo país.

“As pessoas não devem se sentir impedidas de fazer alguma coisa por causa da idade”, diz ele. “Eu tinha 19 anos e conversava com empresas gigantes. Sofri preconceito por isso; algumas pessoas olhavam para mim e falavam que eu não tinha idade suficiente para fazer o projeto. E eu falava ‘ok, vamos para o próximo’”. De fato, a pouca idade não parece ter sido uma barreira: aos oito anos, Marco montou seu primeiro computador; aos doze, começou a desenvolver softwares e a trabalhar com programação básica. O pai, médico de valores tradicionais, pegava peças queimadas dos computadores do hospital onde trabalhava e levava para o filho brincar. De seu bê-á-bá fizeram parte discos rígidos, processadores e  placas-mãe. Isso sem falar da habilidade de criar seus próprios jogos ao invés de se conformar com os videogames das crianças comuns.

Aos oito anos, Marco montou seu primeiro computador; aos doze, começou a desenvolver softwares e a trabalhar com programação básica.

Aos dezesseis anos, tomou fôlego para conhecer o mundo. Mudou para Saranac Lake, nos Estados Unidos, onde cursou ensino médio e aproveitou o impulso para tirar duas importantes certificações na área de tecnologia. Era o único estrangeiro da cidade de cinco mil habitantes. Durante a faculdade de engenharia, que preferiu cursar no Brasil, participou de projetos na Heineken e na Ambev, na área de automação industrial, enquanto os colegas competiam por vagas de estágio bem mais modestas. E nunca, em nenhum destes lugares, pensou em se acomodar. Tinha espírito empreendedor; não desses que pregam a vocação porque acham bonito, mas daqueles que são capazes de virar as costas para Heineken e Ambev para abrir empresa própria.

O primeiro negócio que chamou de seu foi uma desenvolvedora de games. Durou cerca de um ano e até que prosperou, mas não satisfez seus anseios de impactar o mundo ao redor. “Eu não ajudava ninguém com aquilo”, admite. Fechou as portas para abrir uma segunda empresa, a Solid-SIS, e foi com ela que chegou ao Congo. Mais ou menos nesse mesmo período, projetos não menos impressionantes fizeram parte de seu portfólio:  um aplicativo para erradicar a ebola no oeste da África; um software de psiquiatria em Harvard; um algoritmo inteligente em Kansas City; um software para triagem médica pré-embarque em Sidney, capaz de identificar condições de risco para passageiros prestes a embarcar. Muito disso antes mesmo de pendurar o diploma de engenheiro na parede.

No quarto ano de faculdade, vendeu a Solid-SIS e se mudou para Brooklyn, Nova Iorque. Os pais não aprovaram, mas nada que dissessem faria Marco mudar de ideia. Temiam por seu futuro lá fora. Marco compartilhava dessa ansiedade, mas tinha um plano criativo para tirar seu destino das mãos do acaso: foi em cada escola de informática que encontrou no mapa e deixou post-its com seu contato e endereço para seu LinkedIn. E não é que deu certo? Começou a trabalhar como freelancer para uma empresa da área da saúde e, três meses depois, viajava com o CEO a Las Vegas para auxiliá-lo em um projeto. Outros três meses e foi contratado como diretor-chefe de tecnologia, cargo que ocupou durante quase quatro anos.

Por ironia ou desafio do destino, casou-se com uma brasileira enquanto morava nos Estados Unidos. Um longo relacionamento à distância aumentou consideravelmente suas idas e vindas pelo mundo: ele, em Nova Iorque; ela, em Piracicaba. Eventualmente deixou NY, mas acabou se distanciando ainda mais: encontrou um lar em Vancouver, Canadá, onde trabalhou em um projeto de rede social para pessoas com doenças crônicas. Ficou por um ano e, quando voltou para o Brasil, mais uma vez por percursos duvidosos do destino, acabou se divorciando.

“Quando eu estava no pré III, a professora pediu para  cada um desenhar seu maior sonho. Todos os meus amigos desenharam videogames e outros brinquedos, mas eu desenhei a mim mesmo, adulto, com um bebê do lado. Ser pai é o maior sonho da minha vida”, diz Marco. Em meio a tantas realizações heróicas, é difícil acreditar que ainda exista algo que ele não tenha alcançado. Logo em seguida, volta a falar sobre a carreira: “Para trabalhar comigo tem que ser proativo. Eu dou todas as ferramentas para que a pessoa consiga fazer o que precisa, mas ela tem que ir atrás. Fui criado assim. Nunca ganhei as coisas de forma fácil, precisava conquistar as coisas, entende?”.

Marco Aurélio Filho hoje é nome de alguém que já fez muito, muito mesmo, mas que continua falando com espantosa modéstia sobre cada um de seus feitos. Ele é fundador da empresa TecnoBio, aliada ao BioGrupo, e continua trabalhando em projetos ao redor do mundo. De dia, chefia o escritório em Curitiba; de madrugada, participa de reuniões por Skype com clientes da Austrália, Antes de nos despedirmos, ele me diz: “Tudo que é feito com amor acaba recompensando. Eu amo o que eu faço, não mudaria por nada. As pessoas que estão comigo veem o amor que tenho pelo que faço. Eu trabalho e fico feliz”.