“Tenho muita saudade dos meus filhos”.
Ainda estou preparando o gravador e o bloco de notas, tentando decidir o foco desta entrevista, quando Manoel se adianta e soluciona o impasse por mim: será uma conversa sobre família. É quinta-feira, perto das nove e meia da manhã, e estamos sentados na sala de reuniões, um de frente para o outro. Manoel Gomes da Silva é um homem de 59 anos que veste camisa azul de mangas curtas e toma café preto. A caneca tem o símbolo da holding de empresas BioGrupo, onde trabalha há cinco anos. Quando fala, seu timbre de voz é manso, tranquilo.
“Tenho muita saudade dos meus filhos”, ele diz, e eu começo a anotar. Ele me conta que um de seus filhos, também chamado Manoel, saiu de Recife para casar-se em Curitiba. Para dar conta dos gastos na nova cidade, arranjou um emprego de frentista. Com esposa e contrato assinado, eram só os mais de três mil quilômetros de distância dos pais que impediam Manoelzinho de aproveitar ao máximo a nova vida.
No dia do casamento do filho, Manoel Pai e a esposa, Leonice, confabularam brevemente sobre o futuro. “Se tivesse oportunidade, me mudaria para Curitiba também”, disse ele na ocasião. Leonice concordou. Nasceu ali o rascunho de um plano que muito em breve mudaria drasticamente o destino da família Gomes da Silva. Na verdade, a partir dali, tudo aconteceu rápido. O filho telefonou alguns dias depois com um anúncio: “Compre a sua passagem, o senhor vem pra cá”. Manoel chegou em um domingo à noite, fez o teste na segunda e foi contratado como frentista no BioPosto, onde trabalha até hoje.
“Nossa base é a família”, ele diz, puxando o eixo da conversa de volta para o que silenciosamente concordamos que seria nosso assunto central. “Sem família, a gente não faz nada”. Neste ponto, Leonice assume o papel de protagonista. “Ela é companheira nos momentos fáceis e difíceis. A gente está sempre juntos, procurando conversar e resolver as situações. Estamos sempre debatendo o que está certo e o que está errado”, conta Manoel, a voz tranquila se enchendo de afeto. Entre seus planos para o futuro, conseguir uma vaga na empresa para Leonice é uma das grandes prioridades.
Quando fala de trabalho, Manoel expressa gratidão pela empresa que acolheu a ele e aos filhos – Manoelzinho mudou de profissão, mas o outro, Márcio Felipe, também atua como frentista ao lado do pai -. “O cartão de visitas de uma empresa é seu ambiente”, ele diz. Esta convicção faz com que Manoel chegue ao trabalho mais cedo todos os dias e ajude no que for preciso para manter o posto em ordem. É um homem com ideais bem definidos; e garante, mais de uma vez, que luta pelos seus objetivos sem jamais passar por cima de ninguém.
Manoel não tinha aprendido a ler e escrever antes de se mudar para Curitiba. Por causa disso, em Recife, sempre trabalhou de modo informal, sem assinar carteira. Quando o filho falou dele na empresa, os diretores cogitaram que, para assumir um cargo de frentista, com necessidade de preencher comandas de clientes, isso poderia ser um problema. Decidiram dar uma chance assim mesmo. No BioPosto, Manoel foi alfabetizado e surpreendeu muito a equipe com sua capacidade de aprender e evoluir.
Sobre a mudança para Curitiba, a percepção de Manoel reafirma o estereótipo da cidade já há muito consagrado. Aqui as pessoas são mais fechadas, o clima é difícil, aquela coisa toda. Com a maior parte da família ainda morando em Recife, Manoel tem a desculpa perfeita para escapar durante as férias e os feriados, e atravessa os três mil quilômetros que o separam de casa como se Recife fosse logo ali.
Antes de ir embora, peço que ele me conte sobre suas metas para o futuro. “Comprar uma casa e continuar evoluindo sempre, com dignidade e honestidade”, ele diz. Depois levanta e me pergunta qual ônibus deve pegar para chegar em Pinhais. Até uma próxima, seu Manoel.